Secretário é lugar de ocupação antiga, muito anterior à fundação de Petrópolis. É do tempo do Brasil Colônia e da abertura e consolidação da variante do segundo caminho para as minas, que ligava, no século dezoito, o Rio de Janeiro à região das lavras e catas de ouro de Minas Gerais.

Essa rota – que foi aberta em 1725 por Bernardo Soares Proença, donatário de sesmaria transformada na Fazenda Tamaraty, situada onde é hoje o bairro que tem ainda o mesmo nome, próximo à Cascatinha – começava no fundo da Baía de Guanabara, onde se instalou o Porto da Estrela, subia a serra (também chamada “da Estrela”) e saia no alto da serra, no lugar onde fica hoje a rua Teresa. Depois, acompanhava, pela margem esquerda, o curso do Rio Piabanha (nome de um peixe que era comum no rio), passava pelo vale onde se instalou depois a Fazenda do Padre Correia (que deu origem ao distrito de Correias), atravessava o lugar onde o leito do rio formava as itaipavas (essas lajes de pedra estendidas, onde a água se espalha, formando corredeiras) e, chegando ao ponto onde fica Pedro do Rio, virava à esquerda e tomava o rumo de Paraíba do Sul, seguindo a trilha que passa por Secretário, Fagundes e Sebollas e tem ainda hoje traçado muito semelhante ao daquele tempo. O rumo de Paraíba do Sul era seguido porque se tratava de uma variante que visava abreviar, no trecho inicial, a viagem para as minas. Por Paraíba do Sul, passava o caminho original, com o qual se entroncava, a partir daí, a variante.

Por essa rota, passou Tiradentes, em suas idas e vindas entre o Rio e a região das Minas, na articulação da revolta da Inconfidência Mineira, movimento que aconteceu já no fim do século dezoito (1789), quando o ouro começava a se esgotar, e, embora dominado, anunciou a independência que não ia tardar. Uma parte do corpo esquartejado de Tiradentes foi depositada em Sebollas. Mais de trinta anos depois, passou também D. Pedro I, nas viagens que fez a Minas a cavalo. Na primeira, em março de 1822, meses antes de proclamar a Independência e se tornar imperador, era ainda o Príncipe D. Pedro e ia alegre, maravilhado com a imensidão e a beleza do território sobre o qual, em breve, iria reinar. Na última, pouco mais de oito anos depois, em dezembro de 1830, ia angustiado, aflito com o isolamento político que tinha cavado para si mesmo, com o temperamento violento e voluntarioso que ofuscava suas inegáveis qualidades e prevendo como inevitável à renúncia à Coroa. Um pouco antes, em fevereiro do mesmo ano tinha assinado a escritura de compra da Fazenda do Córrego Seco, que, mais tarde, seu filho, D. Pedro II, ia transformar na cidade de Petrópolis. Consta que, em todas as viagens, hospedou-se D. Pedro na Fazenda do Secretário e, temido como mulherengo incorrigível, foi habilmente mantido à distância das mulheres jovens da casa.

A abertura do caminho para a região das minas, que passaria logo a ter movimento intenso e a valorizar as terras próximas, motivou as pessoas influentes da época à, obedecendo às regras do tempo da Colônia, requerer ao rei de Portugal a propriedade de datas de terra (sesmarias), comprometendo-se a desenvolver roça ou criação. A lei portuguesa de 1711 determinava que podiam ser requeridas sesmarias com a área máxima de uma légua em quadra. O pedido era feito ao Governador que reunia sob sua autoridade, em uma única província, a região do Rio de Janeiro e a região das Minas gerais. Era, então, encaminhado a Lisboa e confirmado pelo rei.

À época da abertura da variante do caminho novo para as minas, a autoridade sobre a Província do Rio de Janeiro e da Minas Gerais fora atribuída ao Governador Aires de Saldanha.

Sabe-se que foi concedida ao secretário do Governador uma sesmaria. Nasceu, assim, segundo se tem notícia, a Quadra ou Sesmaria do Secretário e nela, com o tempo, a povoação original. É tarefa desafiadora e interessante para a comunidade investigar a existência de vestígios dessa época que não estão evidentes.

Outras sesmarias foram concedidas, ao longo do tempo, nas áreas próximas. Em 02/05/1723 foi concedida sesmaria ao Capitão Francisco Fagundes do Amaral, também autoridade importante com jurisdição sobre a região das minas e cujo nome passou a designar, depois, a localidade de Fagundes. É curioso notar que, nos escritos da época, o Rio Fagundes aparece designado como Rio Grande, o que faz pensar que o volume d’água seria então muito maior, talvez devido à presença de matas intocadas, à decorrente maior precipitação de chuvas e ao escoamento mais lento da água.

Em 05/06/1758, foi concedida sesmaria a Joaquim José Pegado, que ia dar seu nome à pequena serra situada entre Pedro do Rio e Secretário, conhecida como Alto do Pegado, cuja vertente voltada para Secretário conforme o vale que abriga as sedes da Fazenda Santo Antônio, pertencente a D. Ione Oliveira Castro, e da antiga Fazenda do Alto do Pegado, hoje rebatizada.

Em 14/10/1758, foi concedida sesmaria a Leandro da Cruz Álvares, morador na Fazenda das Pedras, situada no caminho das minas. A área concedida abrangia terras devolutas situadas “no sertão da dita Fazenda das Pedras” e confrontava, ao sul, com o Sertão das Araras. A situação descrita e os nomes de lugares a que faz referência o texto da escritura de concessão da sesmaria sugerem que se trata de uma área situada a montante do vale hoje conhecido como Vale da Rocinha e que já era habitada e chamada Fazenda das Pedras a área que compreende o citado Vale da Rocinha. O nome Retiro das Pedras, que se aplica à área contígua voltada para a direção de Pedro do Rio, parece uma referência ao nome primitivo. Nome muito adequado, aliás, para descrever a paisagem do vale, dominada por belas montanhas de aspecto rochoso e rochas espalhadas de “gnaiss” cinza escuro. O nome Sertão das Araras, que então designava a região de Araras, indica que a área, certamente, naquele tempo, coberta de mata primária, era freqüentada por araras que seriam, talvez, as grandes araras vermelhas, que são florestais e deviam juntar-se, então, às maracanãs, que também são araras e ainda são hoje encontradas por toda parte, na região. Um córrego pequeno que quem sobe do Vale de Araras na direção de Bonsucesso e Itaipava cruza, pouco antes de passar pelo Rio da Cidade, guarda ainda o nome antigo: Córrego do Sertão. A Quadra ou Sesmaria do Secretário abrangia, a grosso modo, a área hoje ocupada pelo núcleo do Secretário atual, pela Fazenda do Secretário (pertencente à família Barros Franco), e pela Fazenda da Cachoeira (pertencente à família Marins Peixoto), além de áreas contíguas.

Posteriormente, já no século seguinte, (século dezenove), com a chegada do ciclo do café, que envolveu todo o município de Paraíba do Sul, ao qual, então, pertencia Secretário, foram levantadas as construções antigas que lá estão e são testemunhos do período. São dessa época a bela sede de fachadas brancas da Fazenda do Secretário, enfeitada por um renque de palmeiras imperiais, e os prédios antigos preservados da Fazenda da Cachoeira. Destaca-se também, aí, a bela Igreja de N. S. da Conceição, datada de 1897.

Dignos de nota são ainda a sede e os prédios antigos preservados da antiga Fazenda do Alto do Pegado e os prédios antigos remanescentes da Fazenda do Fagundes (hoje de propriedade dos herdeiros do Sr. Paulo Stockenbruck). Esta última é interessante por ter pertencido originalmente à família do Major Teophilo de Carvalho, também proprietária, à época, da antiga Fazenda da Rocinha, (hoje Fazenda N. S. de Fátima), situada no já referido Vale da Rocinha. É curioso notar a semelhança existente entre as construções e obras em pedra de ambas as fazendas, também notável em acessórios, como os fechos antigos do mesmo tipo que guarnecem as portas.

No Vale da Rocinha, localiza-se hoje a Fazenda N. S. de Fátima, condomínio familiar que tem como condômina administradora Maria Luiza Cybrão e sucessora da antiga Fazenda da Rocinha, onde, a partir de 1840, desenvolveram-se, em seqüência, lavouras de cana-de-açúcar e de café e construiu-se um conjunto de prédios e obras datados que documentam essa transição de culturas, apresentando farta presença de obras de cantaria, com pedras de grandes dimensões. Está lá o prédio com telhado de quatro águas da moenda e, na parede que dá para oeste, o berço revestido em pedra da roda d’água desaparecida que movia o maquinário. Em um paredão de pedra fronteiro a essa parede, está inscrita, em algarismos toscos, hoje de difícil leitura, a data de 1840. Segue-se a bela construção em pedra, parcialmente em ruínas, onde se destacam preservadas as duas chaminés cilíndricas do forno de açúcar e do alambique de aguardente, que, por sua forma e cúpulas adornadas, lembram as torres de um castelo. Um escudo de pedra, no outro extremo da construção, mostra, com nitidez e capricho de desenho, a data de 1845. Há um intervalo de três anos ao fim do qual se dá a conclusão da casa da sede, térrea, ampla e em forma de “L”, fechando um dos ângulos do espaço onde, mais tarde, se situaria um dos terreiros de secagem de café. Em uma rampa de pedra que conduz à soleira da porta principal, lê-se a data de 1848. Segue-se um espaço longo, de exatos vinte anos, em que não há novas construções concluídas. Um grande armário de madeira, encostado a uma das paredes da passagem coberta que separa o corpo principal da casa da ala de serviço, mostra, no alto, uma data intermediária: 1855. Então, finalmente, concluem-se – no quadrilátero inscrito entre a casa da sede, o prédio da moenda, o prédio alongado que abriga dependências de serviço e duas áreas laterais destinadas a pomares – os terreiros de secagem de café, calçado por grandes lajes de pedra. Em duas das colunas das colunatas de pedra de utilidade desconhecida que limitam os terreiros pelo lado de dentro e os separam do caminho central calçado de pedra, lê-se a data de 1868. No ano seguinte, estava de pé um prédio curioso, não ligado à atividade cafeeira, inteiramente construído em pedra, com paredes larguíssimas, parcialmente coberto por telhado de duas águas e fechado por portão baixo de madeira, com fecho de correr. Era, segundo se sabe, usado como ceva de porcos destinados ao consumo da casa da sede. A última construção a ser erguida foi o prédio longo e imponente destinado a abrigar o maquinário de beneficiamento de café, a grande roda d’água que movia o conjunto – toda construída em ferro, importada da Inglaterra e ainda hoje assentada sobre seus mancais de bronze – e um moinho de água, instalado em um anexo de aspecto leve e gracioso, suspenso sobre o vão onde se coloca sua roda motriz horizontal. Chama atenção o rendilhado de madeira, usual nos prédios do século dezenove, que enfeita o telhado de ponto alto do corpo principal e o pequeno telhado de duas águas do anexo. O moinho é, como outros semelhantes, encontrados na Zona da Mata Mineira, cópia do moinho português utilizado, desde a Idade Média para moer trigo e, no Brasil colonial, adaptado para moer milho. Na parede de pedra que reveste a coluna destinada a encaminhar em pedra vertical o fluxo de água de alta pressão que impulsiona a roda motriz do moinho, está inscrita a data de 1870. É esta a última construção datada. Mas não a última data.

Dentro do prédio, em uma coluna oca de madeira, integrada ao conjunto do maquinário de beneficiamento de café, lê-se, em letras feitas com tinta escura: “Pinho nacional plantado pelo dono destas obras e fabricado pelo mesmo, 1881”. Segue-se uma assinatura precedida por uma patente antiga de tenente da Guarda Nacional. É o capítulo final desta história silenciosa contada por inscrições. O “pinho nacional” é a Araucária angustifólia, o popularíssimo pinheiro do Paraná. As últimas árvores majestosas, com seus braços longos, terminados em tufos verde-escuro, enfeitavam ainda, há menos de cinqüenta anos, as margens dos caminhos suaves em terraço que contornavam os morros e percorriam o cafezal. Deles ainda há vestígios que esperam por olhos atentos.

De todos os personagens que, passando por Secretário, percorreram o caminho das minas, o principal foi o próprio ouro, transportado pelos tropeiros no lombo das mulas pacientes. Durante mais de um século, sustentou a Colônia, sustentou Portugal e, repassado em grande parte à Inglaterra, então parceira preferencial de Portugal, ajudou decisivamente no acúmulo do capital que permitiu aos ingleses realizar, no século seguinte, a sua Revolução Industrial, conquistando no mundo uma posição dominante que perdurou até o fim da Primeira Guerra Mundial.

O meio que tinha Portugal de captar em benefício próprio a riqueza retirada das minas era lançar imposto sobre a produção, na forma de uma cota de ouro que lhe era destinada. Consta que um posto fiscal para o controle da arrecadação desse imposto funcionou na sede da Sesmaria do Secretário. A arrecadação forçada do imposto estimulou o contrabando e o desvio da rota seguida pelos tropeiros para itinerários alternativos. Parece que um desses itinerários passava pelo Santo Aleixo, transpunha a vertente e chegava ao Vale da Rocinha. Então, cruzava o rio que corre pelo vale e, seguindo para leste, chegava a Pedro do Rio. Uma possível evidência dessa trilha é o calçamento de pedra de aspecto antigo que se encontra ainda na vertente oeste do vale, no ponto onde se situa hoje o sítio dos herdeiros de “Seu” Braz.

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